terça-feira, 12 de setembro de 2006

A cor que não posso escrever

Agasalho-te no meu armário, onde o escuro só nos convida e encanta.
Quando todos se forem e levarem com eles o tempo desencaixado onde habitam, e onde a ausência do ser lhes sepulta o sentir, vou fechar-lhe as portas, recuar, dar duas voltas à chave e entrar também… e ficar ao teu lado.
Agora que ninguém nos vê, vou deixar-te dizer quais são as minhas nódoas, copiosamente coloridas, que pitorescamente amas. Enquanto coabitamos no mesmo ar, partilhando a presença do ser que nos sepulta o sentir, aconchego-me em ti. Tenho os sentidos despertos e despidos e neles o arrojo de te enclausurar em correntes que me encarceram o pensar.
Prendo os meus dedos nas tuas costas... e respiro-te.
Perenemente indiferentes não ouvimos o ruído desabrigado, nem contemplamos a luz desamparada lá fora. E, antes que tenhamos o tempo de dizer mais, nascem sonhos, mais e mais sonhos, onde pousam os nossos pensamentos.
Prendo-te no meu corpo, agora ainda com mais fôlego, e prendo-te a boca suada e faminta de mais amor.Antes de te desprender, vou dar-te à boca pedacinhos da nuvem onde durante toda a noite sonhamos. Sentir-te mais uma vez. E sorrir.
E dizer-te que quando partires
as minhas cores vão fugir
as minhas roupas amarrotadas vão cheirar a mofo
e a nossa nuvem, quando nos sentir a virar a vista, muito discretamente, vai chorar.
Até que voltes a aconchegar-me o corpo sequioso de consolo, de conforto, de banhos de candura e insaciável de cores verdadeiras…
Até que me devolvas a tua cor… aquela que não posso escrever. Descobres?