segunda-feira, 24 de abril de 2006

Nesse lugar nenhum


Vi-lhe a lágrima, mas aridamente lhe deneguei o ombro ainda imaturo. Quis libertar palavras, mas o silêncio abarcou-me os sentidos. Quase sem ar saí, bati a porta devagar e olhei o céu transbordante de inocência ou culpa, ou talvez mágoa. A rua lançou-me calafrios lívidos de padecimento. Num ápice almejei abrigar a luz para o reconfortar, mas perdi-me na neblina que nos repelia, no sopro de ar que desprendi.
Sem rumo, exaurida deitei-me na relva que me deslindava, fechei os olhos, senti-a a crivar-me a pele de uma forma meiga e dolorosa. Apeteceu-me discordar com a dor. Respirei e senti-me sentida.
Não ouvi o simples chorar da nuvem que se abateu sobre os meus ombros, o meu entendimento denodou-se em águas do pensamento. Indaguei-me e desenterrei-me de mim mesma. Nesse lugar nenhum sou erva… relutantemente meiga vou ferindo o amor que me rodeia.

segunda-feira, 17 de abril de 2006

O caminho para o céu


Deitei-me na areia e sentia-a quente, não consegui, relembrei o teu corpo cálido.
A maresia soprou-me murmúrios gélidos e por breves instantes desejei mergulhar os meus pensamentos no mar e deixá-los partir.
O sol teimava em magoar-me os olhos, tão agastados de tanto te procurar, de tanto chorar.
Recordei-me daquele instante em que me disseste ‘as estrelas são o caminho para o céu’… e sorri. Nesse tempo acreditava que sim.
Hoje, não.
Um grande amor, dizem eles. Eu não sei mais o que foi…
Sei que desejei, uma vez mais, sentir-me apertada nos teus braços, almejei olhar-te enquanto a luz nos encobria os sonhos, sorrir-te e dizer-te que as estrelas são o caminho para o céu.
O vento teimou em condescender do meu tempo. Tal como tu.
E eu voltei a ansiar perder-te na minha memória.

terça-feira, 4 de abril de 2006

Absurdo

Demandei-te, naquele tom suplicativo, para que me desamparasses… disparate!
Ápice tortuoso, melindrou-me não encontrar
mais o teu abraço, conquanto me atormentou ainda mais não encontrar o teu ombro.
Memória esquecida incumbe-me o sentido imponente que transpareço de ti, choro baixinho!
Não quero que devaneies pena… quero que chores por ti.
Que te afogues nas memórias de tudo aquilo que me fizeste consentir, e nelas te inventes, transpirando sonhos revoltos em amargura, mas serenos, como tu!

Saudade

Não há nenhuma forma de voltar para trás… sussurrou-me um dia o tempo.
Não me assustou. Deixei o tempo, por algum tempo, respirar.
E clamei ar…
Renasci em marés de memórias. Vezes sem conta rebentaram na areia do meu pensamento, vezes sem conta as embrulhei, uma ventania desumana trespassou-me o corpo, descobri que só lá te encontro!
Peguei nos sonhos e desterrei-os num céu de discórdia.
Descobri que sítios só meus, de repente, foram preenchidos por outras vidas, vidas tão remotas e díspares de todas aquelas que até hoje vivi.
E o banquinho deteve-se lá, à espera que de novo nos sentássemos e nos perdêssemos veemente, nas nossas almas aspergidas de paixão.
Quem outrora se sentou nele? … Não sei… alguém!
Que outro se contrista nele?
Nós, não?!
Nós, nunca!

domingo, 2 de abril de 2006

Conversa esquecida...

-Ás vezes vejo-o!
- Ainda?!
-
Quer dizer, penso que é ele! [silêncio] Não sei… olho-o como se fosse um fantasma que deveria ter voado para longe e não voou.
- Não o esqueceste!
- Fico na indecisão se devo segui-lo com o olhar, se fingir que não o vejo.
-Já o devias ter esquecido!
-
Talvez! Mas como o posso deslembrar? Ainda acredito que ele permanece algures, pronto para me cingir no seu abraço delicado e com aquele sorriso doce…
-
Não devias sequer relembrar isso. Nunca começou…
-
Como queres que ande em frente, se deixei algo incompleto para trás?
- Pára de sonhar um passado rememorado.
- Precisava de sair da minha vida por uns tempos! Para não o encontrar em cada esquina, em cada devaneio, em cada sorriso.
- Podias esquecê-lo!
- Adorava olhá-lo mais uma vez e sorrir-lhe… sentir a dança do seu ombro.
- Ao menos ele vê-te? Ou também disfarça não te ver?
- Não sei. Os nossos olhares não se entrelaçam… ficam como nós, distantes!
- Ele não é mais do que um fantasma do teu passado. Devias mesmo esquecê-lo!
- Talvez... [sorrio]